segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Livros para a Vida Inteira

 A quem diga que o meio digital irá acabar com os livros impressos, uma vez que parece bem mais práticos os livros eletrônicos, os arquivos na nuvem, os documentos em pdf, os livros que podem ser acessados em qualquer dispositivo eletrônico em qualquer lugar do mundo, seja no celular, seja em tablets ou computadores. Tudo parece tão simples, sem necessidade de pilhas de papeis impressos, ocupando espaços em prateleiras ou fazendo volumes para serem carregados de um canto a outro. Há ainda quem apele à consciência ecológica, a manutenção de árvores em pé, a redução de papel e celulose e demais materiais que por ventura venham a ser descartados em lixeiras e ocupando espaço em aterros sanitários. Mas no fundo será que seria conveniente abandonar definitivamente os livros impressos?

Possivelmente o primeiro argumento para quem quiser se opor a extinção dos livros impressos seja a questão da empregabilidade, pois livros digitais poderiam facilmente aumentar o contingente de desempregados, por afetar tarefas em gráficas e editoras. Livros impressos ainda impactam trabalhos indiretos em outras áreas, como bancas de revistas, livrarias, lojas e até mesmo serviços de transporte. No entanto, isso por si só não seria o maior problema. Livros em si não deixam de ser documentos, são como arquivos, e os meios virtuais não são completamente seguros. Muitos foram os episódios de livros e bibliotecas ao longo da história, como se pode recordar da grande biblioteca de Alexandria e do episódio de queima de livros por parte dos nazistas tempos antes da Segunda Guerra Mundial. Arquivos quando estão somente em meios virtuais são susceptíveis a perdas e danos. É comum que alunos precavidos gerem inúmeras cópias de seus trabalhos, arquivos e documentos e os guarde em inúmeros dispositivos (computadores, discos rígidos, incluindo pendrives e CDs; nuvem e mais antigamente em disquetes, quiçá até em e-mails como subterfúgio de proteção a manutenção do documento). Entretanto, se o arquivo for perdido e esquecido de ser salvo em outro dispositivo ou ainda o documento ficar a disposição de um ente qualquer que possa ter acesso a todos os meios virtuais em que ele esteja disponível, a susceptibilidade de perda do documento, se assim for da vontade desse ente, se torna algo bem possível e de recuperação difícil de ser alcançado.

Mas para além disso, ainda há algumas comodidades dos livros impressos. Há quem não suporte passar horas e horas a ler livros ou mesmo documentos longos (como artigos por exemplo) por meio de uma tela de computador ou celular, ficando a todo instante submetido àquela luz irradiante sobre seu rosto, ou que se sinta cansado com leituras longos por meio de dispositivos eletrônicos, mesmo que eles estejam em modo de tela escura. Para alguns, a tela escura pode despertar sonolência, enquanto que para outros telas claras despertem cansaço na visão. Livros impressos permitem marcações com maior facilidade, uso de marcadores se tornam mais acessíveis, páginas podem ser dobradas e desdobradas, pode-se usar as chamadas "orelhas de burro", as leituras podem ser em qualquer lugar sem a necessidade de um carregador e uma tomada de energia elétrica. Livros impressos podem ser lidos até mesmo a beira-mar sem o risco da maresia. Com uma caneta marca texto, trecho podem ser identificados, embora seja possível marcações de destaque de texto em arquivos de pdf, a destreza da mão livre só é possível em materiais impressos. Livros impressos não correm riscos de falta de energia elétrica, não sofrem com raios e sobrecargas de redes elétricas, não correm riscos de haquers e adulteração de conteúdo em meios virtuais, sobretudo distantes e são acessíveis em qualquer lugar. Livros impressos espalhados pelo mundo não podem ser eliminados com apenas um clique e ainda podem guardar lugares chamados de "relíquias" em bibliotecas que guardam arquivos acessíveis e disponíveis a todos visitantes passe o tempo que passar, convidando o leitor a um passeio, em um ambiente tranquilo, de concentração e dedicação a uma profunda imersão no conteúdo do livro, do conhecimento em livros técnicos e científicos ou de admiração, inspiração e prazer pelos livros literários.

Celulares são versáteis, a pessoa o carrega para todo lugar que vai, e está acessível a muitos, dificilmente há quem não o tenha. Mas a verdade é que ainda são muitas as pessoas no mundo sem acesso a internet e sem tais dispositivos. Celulares são mais caros que livros impressos e em diversos cantos há as bibliotecas públicas acessíveis a toda a população, inclusive aos mais carentes. Celulares são alvos preferenciais de furtos, roubos e assaltos. É sempre necessário tomar muito cuidado, principalmente quanto mais caros forem. Livros impressos dificilmente costumam ser alvos de roubos. Em se tratando de questões ecológicas, livros não carregam em si lixo eletrônico ou metais pesados que demandem cuidados especiais na hora de descarte e tampouco livros foram feitos para serem descartados. Pessoas não costumam comprar livros para tão logo substituírem por aqueles que são mais avançados e atualizados, embora existam exceções. Papéis são reciclados e as páginas amareladas contam a história dos tempos, não só no conteúdo escrito, mas nas formas, aspectos físicos, como texturas e colorações, que remontam hábitos e costumes de épocas, por vezes remotas e que recriam tanto um imaginário histórico quando uma realidade há algum tempo vivida. Embora livros ocupem espaço, eles não ocupam memória, a não ser a da história.

Dispositivos eletrônicos trazem comodidade, versatilidade e oportunidade de reunir tudo em dispositivos por ora minúsculos que ocupam espaços exíguos, mas onde queira estar, por mais isolado que seja o lugar, sempre haverá como na presença de um livro estar, para entreter-se e aprender pela vida inteira.

sábado, 5 de março de 2022

O Ser "in natura"

É tão comum atualmente vermos o ser humano tão tecnológico, tão avançado, tão prestativo aos avanços científicos, tão urbanizado, tanto que por vezes o enxergamos como um ser destinado ao progresso que o torna distante daquilo que lembra a natureza de demais seres vivos. Nos últimos tempos, após dominar todos os cantos do planeta, estar em todos os continentes e até mesmo nos polos e na órbita terrestre, seu anseio é "navegar" em outros "mundos", a Lua, Marte e além. O questionamento que fica é se será que o ser humano artificializa sua existência em vista do progresso, ou no fundo há nele uma tendência que o faz, mesmo que instintivamente, retornar ao natural? Ou ainda se existe um processo natural em sua existência, aquilo que chamaríamos da natureza humana?

O célebre filósofo inglês Thomas Hobbes dizia o homem ser o lobo do homem, de modo a descrever a natureza do homem como perversa, uma natureza egoísta. Paulo em sua carta aos romanos afirmava: "não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero". Assim, tanto Hobbes quanto Paulo apontam para uma natureza má no ser humano, tentada ao pecado e a perversão. É possível que a melhor explicação para isso seja sua própria sobrevivência e a sobrevivência de suas próximas gerações.

Porém, no fundo o ser humano tende a se compadecer de seus semelhantes, criar consciência e adotar atitudes que amenizam o sofrimento alheio. Os melhores exemplos disso são a solidariedade e a capacidade dele ser caridoso com o seu próximo, principalmente em momentos muito emergentes, como em situações de grandes desastres naturais ou após a reconstrução de vidas que superaram momentos emblemáticos de grandes conflitos ou mesmo uma guerra. A capacidade que o ser humano tem de se sensibilizar com as dificuldades com as dores do outro serve como um amenização de uma natureza tendenciosa a maldade humana.

Rousseau dizia que o homem tinha um estado de natureza, uma vida essencialmente animal, moldada pelo ambiente. No entanto, diferente dos demais animais, o homem aprendeu a viver em civilização, com normas regidas por uma sociedade. Muitas das normas fogem a natureza humana e tendem a artificializar a conduta humana, por eles não vivem exatamente como a sua natureza o permite viver, mas vivem de acordo com uma conduta que é considerada a melhor dentro de uma sociedade, de uma realidade e um contexto. Tudo que ele cria é uma recriação da natureza, um aproveitar-se dela e, por vezes, modificar a sua essência, acelerando processos ou copiando o que há na natureza, usando ferramentas disponíveis por sua ciência para aprimorar as próprias experiências da vida humana. Porém, mexer com a natureza humana muitas vezes é uma tarefa delicada porque implica mexer com a realidade de cada um. 

É natural que em um ecossistema tudo tende a entrar em equilíbrio, de modo que os desequilíbrios tendem a se ajustar com o passar do tempo e os recursos naturais e seres vivos dele cumprem funções naturais que se ajustam e causam aquilo que compreendemos por equilíbrio ecológico. O ser humano funciona da mesma forma, ele possui uma essência natural, é comum ele querer ser livre, seguir sua vida e não se satisfazer tanto em seguir tantas regras. Ele é naturalmente um ser sociável e seu organismo possuí necessidades fisiológicas e sanitárias naturais. Deste modo, simplesmente impor um isolamento completo dele, ainda que seja para o seu bem, e esperar que nada de mau irá afetá-lo é certamente um pensamento demagogo, pois atua contra a própria condição natural humana. Da mesma forma, não se pode desprezar que o próprio organismo humano possui proteções naturais contra diversas intempéries, poluentes, contaminantes e agentes patológicos do meio em que vive, embora a existência de medicamentos e vacinas manipuladas pelo homem contribua para melhorar a sua capacidade natural de sobrevivência.

Assim, entender as inquietudes humanas implica em não menosprezar a sua própria natureza, afinal, é sempre tendencioso que o ser humano retorne ao contato com o meio ambiente e experimente mais daquilo que é natural, como o ar puro, a brisa suave, o contato com a vegetação, os lagos, rios, mares e areia da praia, e deixe de lado, nem que seja por um instante, aquilo que é fruto de sua própria manipulação.